sábado, 12 de dezembro de 2009

Chiclete. Quero chiclete!

Por Alexandre Fernandes Borges

Bom para ler ouvindo: "Quero Chiclete", de Chiclete com Banana: http://www.youtube.com/watch?v=e-UeiO2EN-8&feature=PlayList&p=BD04667A8AA5E86F&playnext=1&playnext_from=PL&index=27



Jabuticaba era como ela gostava de ser chamada. Isso desde o ano anterior em que ela havia sido eleita a garota jabuticaba do baile funk. Ela fazia questão de lembrar o quanto ela teve que se esforçar para ganhar esse título. Foi a maior realização de sua vida.

Jabuticaba chega ao salão de beleza e mostra a bolsa nova para as amigas. É uma Louis Vuitton, custou 3.000 reais. As amigas ficam admiradas, algumas salivam e engolem inveja. Enquanto retoca a chapinha japonesa com sua cabeleireira pernambucana e pinta suas unhas à francesinha com a manicure boliviana, ela conta às co-emperiquitantes como aquela bolsa é chic, vip, exclusiva, ultra-high-class, e, principalmente, cara.

Pesão chega ao autódromo, a galera já está toda ali: o Bocão, o Cabeção, o Pança, o Mentira e o Fatiôla. A expectiva é das melhores: beijar 70 no primeiro round, quer dizer: no primeiro bloco, que é do Chiclete com Banana; e vir para o segundo tempo com determinação – esse é com o Asa de Águia –, com o lema “70 vira, 140 acaba”. O ingresso-camiseta custou 700 reais para cada um. Segundo o matemático Oswald de Sousa, isso dá um aproveitamento de cerca de 5 reais por gol marcado, quer dizer, por boca... marcada.

Pesão não está indo bem, começou mal, já tocaram duas “Diga que Valeu”, uma “100% Você” e três “Chi... cle... te... oba! oba!” e ele só beijou três até agora. Até o Pança beijou mais que ele. Ele começa a pensar que é um fracassado na vida, que a vida não tem sentido, que ele é um imprestável mesmo, que era melhor ele morrer, e, entre um desses pensamentos otimistas e outro, ele pensa nas 14 parcelas mensais de 102 reais que ele vai ter que pagar por estar ali (ah, os juros...).

Agora o momento romântico de nossa narrativa: eis que – tal qual Romeu e Julieta, Jack e Rose, Júlio César e Cleópatra, Fidel Castro e Hugo Chavez – nossa dupla de heróis se encontra. Ele, romântico, pergunta se ela não caiu do céu, já que era um anjo. Ela acha a cantada super criativa, sorri e puxa assunto: “Acho essa música linda!” – tocava algo como “chiclete para grudar no seu ouvido, para grudar no coração...”. Ele entende o contraponto e continua: “Tô doido pra te beijar!”. Ela se faz de difícil: “Não é assim também não, vamos conversar...”. Ele entendeu novamente: e começou a mentir com uma técnica e uma desenvoltura invejáveis. Em 3 minutos ele já tinha um patrimônio maior que o PIB de qualquer país da América Central. Deu certo: ela agarrou o rapaz como as tietes agarravam os Beatles. Foi lindo. É língua pra cá, mãos “suaves” para lá, coisas “sutis” ditas ao ouvido acolá, e tudo isso ao som de uma trilha sonora de tirar o fôlego (sério).

A coisa ficou tão... “boa” que nosso casal quis abandonar a “festa” para poderem se dedicar mais um ao outro. Vai dizer que isso não é romântico! Ele praticamente trocou 137 mulheres por ela!

Uma das melhores coisas de escrever é que, enquanto escrevemos, temos super-poderes para deixar qualquer X-men com inveja. Um deles é poder ler o pensamento de nossos heróis. Melhor: posso ler e posso contar (sem sentimento de culpa ou processo por danos morais). Pois ele pensava assim: “Eu estava ferrado hoje mesmo, pelo menos vou dar uma...” (pois é, nós homens nem sempre somos tão... “delicados” pensando quanto o somos conversando). Já ela pensava: “Esse cara tem a grana, vou dar um jeito na minha vida.” (se eu tivesse o poder para ler o pensamento de alguma leitora, é capaz que leria agora algo como: “Que horror! Que machista esse autor!!” É, talvez...)

Chegando ao estacionamento, ele apresenta a ela seu carro já "debutante", não tão bem quanto ela quando comemorava seus 15 aninhos 4 anos antes. Nesse instante, da face de nossa bonequinha de luxo, sai uma expressão impossível de traduzir aqui (algo como “que merda é essa?”) e de sua boca saiu a frase: “Você não me disse que era rico?!” (um poço de candura ela). O melhor foi a resposta de nosso herói: “Agora que a gente saiu, você vai comigo, ou vai me pagar meus 700 reais!” (um perfeito cavalheiro). Pois ela meteu a bolsa na cara dele. Ele caiu, bateu a cabeça na quina, desmaiou, sua cabeça começou a sangrar e ela começou a chorar. Um segurança veio correndo lhe ajudar: “O que foi, moça? O que aconteceu? Ela respondeu soluçando com uma carinha comovente de tristeza: “A minha bolsa rasgou.

Um comentário:

  1. Um texto ácido, porém pela forma que foi montado o cenário do cotidiano, muito cômico. Só assim
    consegui rir aos montes de coisas as quais considero pavorosas: relações descartáveis, interesses superficiais, desvalorização ética do próprio ser humano, dentre outros.

    A parte em que você, Alexandre, escreve os pensamentos dos personagens, soco de realidade dolorido. Esse jogo de interesse existe mesmo em ambas as partes, boba será a feminista que negar a não-ocorrência desta mentalidade materialista em boa parte das mulheres. E se por um lado essa mentalidade do gênero feminino seja chata, tão horrível quanto é a mulher ser reduzida a um mero objeto de prazer na visão de muitos homens.

    Todos ficando quites no final, tristeza... No fim do enredo, fiquei com pena mesmo foi da bolsa... rsrs

    Muito bom, Alexandre, este conto moderno! Continue a escrever mais narrativas também! Estou acompanhando. Se puder, dê uma passada no meu blog também. =)

    Beijos e até!

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