Sabe aquele ditado de que “Deus escreve certo por linhas tortas”? Pois esses dias meu amigo Zé Cachaça parou de beber. Fiquei até sem graça de continuar lhe chamando pelo apelido...
A bebida é uma coisa estranha: há quem conte que bebeu e acordou em um lugar desconhecido, que bebeu e foi roubado, ou enganado, há até quem – como um outro amigo meu, o Gabriel – bebeu e acordou entre dois dançarinos musculosos de boite. Ele disse que não sabe o que houve... em nenhuma das três vezes que isso aconteceu. É... a bebida é um perigo...
Pois o meu etílico amigo Zé Cachaça já provou de quase todos esses presentes de grego do Deus (grego) do porre: Baco. Só não confessa ter provado o mesmo do Gabriel, mas há quem duvide. Mesmo assim, nunca havia nem mesmo cogitado a possibilidade de abandonar aquela vida promissora rumo à sarjeta.
Aconteceu que, um belo dia, tomou um daqueles porres dignos de olimpíada bebum de faculdade e foi tropeçar na escadaria de uma igreja Universal. Ele não sabe bem o que aconteceu, mas sabe que perdeu a casa, o carro, o tênis, a cueca e as moedinhas de troco da cachaça que ele tinha juntado para comprar pão.
Foi um desespero só. Ele ficou tão liso que nem para comprar cachaça ele não tinha mais. Revoltou-se daquela revolta sincera e sofrida que só quem vive a delícia de uma ressaca ao meio-dia de sol na moleira pode ter. Foi pedir ajuda em tudo quanto é canto, sempre carregando um diplominha bem bonitinho dado pelo pastor de “dizimista modelo” e com direito a assinatura de Jesus Cristo. Ele diz que, entre todas as coisas de que ele não se lembra, a que mais gostaria de lembrar era de Jesus assinando o diploma.
Pois o Zé foi bater em minha porta esses dias: engravatado, carro esporte, pinta de magnata do petróleo. Foi me contar que, antes de ser bebum profissional, havia sido investidor e começara a beber após perder quase tudo na Avestruz Master (só sobrou aquilo que o destino separou para ele perder na Universal). Contou também que parou de beber não por raiva, mas por admiração àqueles homens de negócio, e teve um insight!
O Zé então me disse que montou a Igreja Biscateriana Metedista Renovada. Ele me explicou, em termos técnicos, que aquilo “objetivava um público alvo amplo no mercado do Godbusiness”, público formado por pessoas que não queriam seguir o puritanismo da agora concorrente Universal. No entanto, apesar de bem planejado, o empreendimento foi um retumbante fracasso. Meu amigo descobriu que entrou num mercado concorridíssimo, disputado a tapa e beliscão por micaretas e bailes funk. Foi aí que ele ergueu a cabeça e não desistiu do seu belo sonho: encher o rabo de grana.
Decidiu então montar a Igreja Quadrangular do Triângulo Redondo. Com essa, ele objetivava investir no mesmo mercado da sua inspiradora: a Universal. A ideia era fornecer os mesmos serviços, desde os mais simples como “terapia do amor” e “fogueira santa do sai-macumba” até os mais sofisticados como: certificados de aprovação no juízo final e lotes no céu com vista para o clube social do sindicato dos querubins. A diferença é que ele forneceria tudo com até 20% de desconto, parcelamento em até 24 meses e aceitaria Master, Visa e American Express. Além disso, na compra de um lote, você ganhava duas fogueiras e uma terapia do amor totalmente grátis. Pois ele me disse que foi um enorme sucesso: as pessoas nunca haviam encontrado tanta comodidade para doar tudo o que têm para a Igreja.
Essa estória do Zé me deixa comovido. Como o homem se regenerou... Quem diria que aquele bebum fosse se tornar um homem de negócios, um agente do progresso. Ele até me convidou para visitar sua Igreja. Aliás, foi aí que eu perdi minha casa, meu carro, meu pingente de prata do Vila Nova...