quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Psicanálise de bêbado


É interessante como algumas idéias pegam. Interessante ou irritante, dependendo do absurdo que é a idéia. O fato é que as idéias surgem de algum lugar e, como um inseto, só precisam de um ambiente propício para se reproduzir. Ter fundamentos? Luxo desnecessário.

Idéias como antiglobalização, antiamericanismo, antiliberalismo, anti-sucrilhos-de-chocolate, enfim, esses “antis” histéricos encontraram sua água do aedys nos países latino-americanos. Pois esta “aguinha” é a nossa amarga e crônica baixa auto-estima, que advém de uma errônea auto-percepção como “ocidentais menores”, auto-percepção que não passou pela nossa garganta e que foi regorgitada em forma de uma rebeldia e angústia muito familiares a quem conhece a teoria freudiana. Quem não conhece Freud, pois chame de inveja mesmo.

As nações têm seu desenvolvimento psicanalítico próprio. No final das contas, agem como se fossem um indivíduo. E um indivíduo, quando reconhece – dentro de seu próprio conjunto de valores – alguém melhor do que ele (ou que ele avalie como sendo melhor do que ele) só pode reagir de duas maneiras: (1) a maneira saudável, quando sua auto-estima é suficiente para ele passar a admirar profundamente aquele que considera superior; e (2) a maneira patológica, quando o indivíduo carrega uma baixa auto-estima pesada que o obriga a fingir um desprezo abnegado, produzindo inveja – um desperdício terrível de energia que gera atraso e sofrimento.

Os países latino-americanos, por vezes, tentam se afirmar no mundo ocidental, mas, de tempos em tempos, acabam caindo em buracos de negativismo e reação histérica de revolta para com o projeto moderno ocidental. É mais ou menos aquela saída besta de dizer que não perdeu a corrida porque nem tentou ganhar. É covarde, é deprimente, mas é o que acontece corriqueiramente entre indivíduos (e nações) com baixa auto-estima. Abstêm-se de tentar, privam-se de vencer por um pavor paralisante de serem derrotados.

No Brasil, um suspiro de melhoria de auto-estima vem do nosso futebol – o grande esporte ocidental por excelência. Nele, somos grandes. Nele, não temos medo de tentar. Nele, como que mostramos ao papai ocidental que nós também temos um “pipiu”. Que gracinha...

Já em outras áreas, o Brasil recalcado comanda. Esconde logo o “pipiu” e fica gritando que o do papai nem é tão grande assim. Na economia, por exemplo, inventaram um “João bobo” para ser detonado em qualquer roda de bate-papo sobre o assunto, do butiquim à USP (aliás, mais ainda na USP), chama-se “neoliberalismo”.

O papo contra o tal do neoliberalismo é mais do que conhecido, é mais ou menos como um jogo em que se ganha quem forma o máximo de combinações possíveis com as palavras imperialismo, yankees, Bush, justiça social, capitalismo selvagem, alienação, reacionários e distribuição de renda. Tudo isto deve ser gritado como em briga de vila. No entanto, esta animosidade esfria instantaneamente se o assunto mudar para assuntos que são “dodóis mimados” dos brasileiros como “Cuba”. Aí a condescendência é maior que a de mãe de presidiário. Seja falta de liberdade, atraso, fome, extermínios, tudo ali passa a ser plenamente justificável, razoável, correto e digno de ser seguido. Se alguém falasse: “O Fidel come criancinha! Eu vi!”, mostrasse foto, prova cabal e três confissões do próprio “Él Comandante”, alguém de pronto justificaria isso como sendo alguma forma de se fazer justiça social ou algo em prol da “crasse trabaiadora”.

A embriagues é tão comovente e parece tão acolhedora que até chega a dar uma vontadezinha de se entregar a ela. Mas se você algum dia entrou pelo caminho sem volta de simplesmente analisar imparcialmente o que o tal “bicho papão” do “neoliberalismo” fez com a Coréia do Sul na Ásia e com o Chile na América Latina e depois analisar dois países histórica (até a década de 60) e geograficamente similares a estes – Cuba, na América Latina, e Coréia do Norte, na Ásia – fica impossível trilhar o caminho gostoso da ignorância. Depois de trilhado este caminho, só sendo esquizofrênico para não perceber a diferença entre os dois mais novos membros do “super vip” (e não é micareta) clube dos países desenvolvidos (Chile e Coréia do Sul) e os dois países onde falta absolutamente tudo, de comida a liberdade (Cuba e Coréia do Norte). Como o neoliberalismo fez mal ao Chile, não?! À Coréia do Sul então... Mas também: que absurdo deixar países pobres ficarem ricos, não é mesmo?! Isso é traição à classe! É “abandaná os parcero, mano”! Bem estão os cubanos! Os norte-coreanos nem se fala... Aquela raçãozinha seca na hora do almoço, hmm... Dá até vontade de me mudar para lá...

Posso imaginar algum embriagado da cachaça mental latino-americana que tropece com este texto. Pois exclamará de pronto algo super fundamentado como: “O que você quer dizer com desenvolvimento?! Para mim, Cuba é que é desenvolvida!!”. É difícil conversar com bêbado...

É... o Brasil precisa urgentemente de uma psicanálise... Ou de um café bem forte.

2 comentários:

  1. Expressão exata do que venho tentando dizer quando surge esse velho e roto assunto relativo a nosso recalque.

    Gostei muito de seu trabalho Alexandre. Espero continuar lendo mais textos seus.

    Parabéns

    Thomaz

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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